Pinheirão, o sonho

Entregue ao ocaso, estádio já foi o sonho de transformar Curitiba em uma potência do futebol nacional

Imagem: Yuri Nikolai/Wikimedia Commons

Imagem: Yuri Nikolai/Wikimedia Commons

In my dreams, I fly

Kurt Busiek, em Astro City: life in the big city

A razão pela qual escrevo esse texto é para contar sobre sonhos, talvez o conceito mais humano de todos. Todo ser humano tem um sonho, algum ideal que ele deseja alcançar, seja como um indivíduo ou membro de um coletivo. Em muitos casos, o sonho é o que nos define como pessoas, seja por bem ou por mal.

O sonho que eu quero contar é o de Ayrton ‘Lolô’ Cornelsen e do abandonado palco do futebol paranaense, o gigante Pinheirão.

Como começar a descrever quem foi Lolô? É difícil achar alguma maneira de fazer justiça ao inventor da pedra brita, está acima das minhas capacidades como escritor, então começarei pela sua carreira no futebol. Apesar de ser filho de Emílio Cornelsen, na época dirigente do rival Coritiba, Lolô se tornou jogador do Atlético nos anos 1940, a década mais vitoriosa do clube em mais de um século. O futuro arquiteto foi campeão estadual em 1945, e nem mesmo o braço quebrado impediu que ele fosse eleito o melhor da partida no Atletiba que decidiu o título.

Embora com este sucesso no futebol paranaense, Ayrton se aposentou naquele mesmo ano, com 23 anos, pois queria buscar carreira em arquitetura. E chamá-lo de algo que não seja gênio quando vem a área seria desrespeitoso.

Agora, como começar a falar sobre o Complexo Poliesportivo Pinheirão? Existem tantas coisas que podem ser ditas sobre o Gigante do Tarumã (e poucas delas são positivas), então começarei pelo que o Pinheirão deveria representar: um ideal a ser alcançado a nível coletivo, a representação máxima do sonho do governador paranaense da época, Moysés Lupion, de fazer o futebol paranaense crescer.

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Para isto, ele precisava de um centro esportivo de grande porte. Em 1953, Lolô apresentaria seu plano de construir um estádio no Tarumã, que seria o segundo maior estádio do mundo na época.

Embora com esse sonho de sucesso para o futebol paranaense, a ideia não saiu do papel por detalhes. O projeto foi momentaneamente abandonado e só seria retomado mais de uma década depois, em 1966. Lolô já era na época um grande e respeitado arquiteto, mas nem isso impediu o Pinheirão como ele tinha pensado de ser vetado por Jaime Lerner, criador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, que disse que o estádio iria atrapalhar o trânsito da região.

O envolvimento de Lolô com seu sonho acabou ali. De lá, seu “filho” se tornaria apenas decepção e causaria a ele apenas ressentimento e amargura.

“Tenho de ficar dizendo sempre que não fui eu que fiz aquilo, apenas comecei. Tenho vergonha. Foi um horror.” disse Ayrton em uma entrevista à Gazeta do Povo em 2011.

Sobre o projeto que foi depois pego e completado pela Federação Paranaense de Futebol em 1968, esqueça a ambição e otimismo, esqueça o sonho de voar e o palco para 180 mil pessoas, e diga olá para o quase cemitério de Athletico e Paraná, clubes que quase morreram quando mandaram jogos lá. Uma triste colcha de retalhos de um sonho destruído, uma tragédia a ser testemunhada para no máximo 45 mil pessoas.

O último jogo no estádio foi em 2007. O terreno agora pertence ao empresário João Destro, que gasta cerca de R$ 6 milhões por ano para manter o lugar, mas sem fazer nada com isto. Destro não tem pressa ou prazo para realizar algo com o gigante curitibano; no entanto, independente do que ele decidir fazer, já se sabe que futebol está fora dos planos.

“Para fazer um investimento na área do Pinheirão, eu tenho de demolir todo o estádio. Provavelmente será um investimento imobiliário, é uma área grande em uma região nobre de Curitiba”, disse ele em entrevista para  a Gazeta do Povo em 2018.

Eu sempre tive interesse em escrever uma peça sobre o Pinheirão, porém nunca conseguia achar um jeito que parecesse certo de como concluir. Eu nunca gostei de quão cínica essa história é, e de como todas as conclusões que eu conseguia chegar eram negativas. Talvez o pinheirão como projeto em si nunca devesse ter existido – nem preciso dizer como estádio real, já que talvez ele nunca devesse ter sido mais que um sonho febril, uma ideia não corrompida ainda pelo mundo real…

O problema é que em sonhos você nunca pode ser realmente livre

Warren Zevon, em Desperados Under the Eaves

Embora Ayrton não tenha conseguido concluir seu Pinheirão, as ideias que ele desenvolveu seriam usadas depois na reforma do Couto Pereira em 1957, que ajudou o Coritiba a consolidar seu domínio estadual pelas próximas três décadas.

Mais impressionante que isso é que o arquiteto foi convidado para projetar um estádio em Belo Horizonte, reutilizando o projeto inicial do Pinheirão, e assim nasceu Estádio Governador Magalhães Pinto,
também conhecido como Mineirão. A obra inaugurada em 1965 junto com um time histórico do Cruzeiro alavancou o futebol mineiro da segunda prateleira do futebol nacional para um dos grandes centros, mudando para sempre a trajetória do futebol de clubes no país.

O Pinheirão nunca conseguiu ser o gigante de concreto que poderia ser, mas talvez ele seja algo ainda maior: um gigante de sonhos. Não acomodando as centenas de milhares de torcedores que foi prometido como um palco de futebol, mas impactando incontáveis pessoas somente pela ideia ter existido, e isso é algo que não tem prazo de validade, ao contrário de sua estrutura física.

Talvez nos seus sonhos, o Pinheirão voe.

Por Gabriel Andriel

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