A primeira vitória do Santa Cruz na Série D do Campeonato Brasileiro de 2022, na quarta rodada da primeira fase, foi suficiente para tirar o time da lanterna do Grupo 4. Logo, imagina-se que o intenso clima que pairou sobre o clube nos últimos meses pudesse dar uma amenizada Certo?
Não. O que se viu nas horas seguintes ao 3 a 2 sobre o Atlético de Alagoinhas foi exatamente o contrário: o gigante pernambucano mergulhou de cabeça em uma crise na qual nem o mais pessimista de seus torcedores poderia imaginar.
Tudo começou na coletiva pós-jogo, que já começou de forma diferente. O treinador Leston Júnior chegou para falar com a imprensa ao lado do executivo de futebol Marcelo Segurado e do elenco tricolor para desabafar sobre a situação do clube, expondo mais detalhes sobre a crise financeira e política do Santa.
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“O que os senhores vão ouvir aqui é desabafo e reinvidicação apenas de salário. Todo mundo aqui é pai de família e precisa chegar em casa e pagar suas contas, porque isso aqui, por mais que muitos pensem que são máquinas, são seres humanos. Têm problemas como todo mundo tem, têm família como todo mundo tem. Jogam por sobrevivência, afinal, nós vivemos em um mundo capitalista”, afirmou Leston.
“Então, o que nos motivou muito a isso aqui, além de todos esses problemas, é condição de trabalho, e eu não estou aqui dizendo que isso é responsabilidade de quem tá na presidência não, é porque o clube está largado mesmo. O Antônio (Luiz Neto) está aí, o presidente, e ele está largado mesmo, eu vejo o dia a dia. Porque também não vou ser injusto. Eu falei na coletiva da quarta (4 de maio): eu vivo em um ambiente covarde, o futebol. Nós profissionais somos covardemente atacados, a nossa honra, dignidade, todo dia em função de um resultado do jogo, mas eu não preciso ser covarde como o futebol é”, acrescentou.
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Leston, então, subiu o tom e foi mais específico sobre as demandas dos funcionários do clube para que o trabalho pudesse ser desempenhado da melhor forma: condições mínimas de trabalho, como uma alimentação digna para o atleta e um campo com condições básicas para os treinos. E, claro, o salário.
“Nós não temos condição superior nem a 30 clubes desses 64 (participantes da Série D), só que na hora de meia dúzia – e não estou falando de invasão de CT não, que isso é caso de polícia e que é obrigação do clube nos dar segurança. O clube só vai atingir objetivo de acesso se houver condição com dignidade mínima. Ninguém está pedindo luxo para trabalhar. Estamos pedindo campo em condição de treinar, de um atleta se alimentar de forma devida. E é isso que nós estamos dizendo. E obviamente salário. Se o segurança não recebe, o médico não recebe… ‘Ah, esses caras não jogam, não.’ Eles são tão importantes em alguns casos, até mais do que esses caras que estão aqui, porque eles dão condição a esses caras. É um manifesto nesse sentido”, desabafou.
Leston voltou a valorizar os profissionais do clube que continuam desempenhando suas funções e mostrando profissionalismo mesmo com as diversas dificuldades no dia a dia. Além disso, afirmou que ninguém iria “esmorecer” no objetivo do acesso à Série C, mas voltou a bater na tecla da necessidade de condições básicas para o funcionamento do clube.
“Não vamos esmorecer, não, porque tem profissional, primeiro, que se respeita, que respeita a si próprio, a sua família, e seu trabalho, e a instituição. Afinal de contas, vários disseram não para esse clube em função do que o clube se tornou, e todo mundo que está aqui topou o desafio. Mas é preciso que se dê condição digna para que esse grupo aqui possa conduzir o clube aonde todo mundo quer. Isso aqui não é lugar do clube, mas é o lugar que colocaram o clube e para tirar a gente precisa melhorar muito enquanto clube. E aí precisa da união de todo mundo e não ficar na rede social ameaçando. Promover uma situação que não existe. ‘Não, porque o Santa Cruz é a maior camisa da Série D.’ E daí? Isso representa o quê?”, finalizou.
As fortes declarações tiveram uma imensa repercussão interna que gerou rápidas mudanças no clube. A diretoria tricolor tratou rapidamente de demitir o treinador Leston Júnior e o executivo Marcelo Segurado por conta da entrevista coletiva, oficializando a decisão cerca de três horas após a entrevista. No Twitter, o técnico disse não ter sido comunicado do desligamento, mas não se mostrou arrependido.
“Desempregado (pelo que vi na rede social, já que não fui comunicado por ninguém), porém com a consciência tranquila”, escreveu.
Fazer sempre o que é certo e não o que é conveniente!
Desempregado ( pelo que vi na rede social, já que não fui comunicado por ninguém), porém com a consciência tranquila. Sigo em paz!— Leston Jr (@jr_leston) May 9, 2022
Pouco tempo depois, o clube pernambucano já até anunciou seus devidos substitutos para a sequência da temporada. Para o comando do time, um velho conhecido da torcida retorna ao Arruda para comandar os jogadores: o treinador Marcelo Martelotte chega para sua sexta passagem no Santa Cruz, dois anos após sua última passagem. O comandante de 53 anos volta a ativa após um trabalho decepcionante no Taubaté durante a Série A-2 do Campeonato Paulista, conquistando apenas duas vitórias em 11 jogos pela competição.
Outro velho conhecido também está voltando ao clube, mas desta vez para ocupar o cargo de executivo de futebol: Zé Teodoro acertou seu retorno ao Arruda após 10 anos desde sua última passagem e retorna ao futebol pela primeira vez desde 2020, quando comandou o Ferroviário (CE).
O Santinha, folclórico clube popular brasileiro, vive dias difíceis dentro e fora de campo nos últimos anos. Depois de jogar a Série A em 2016, o clube se enforcou em dívidas e somou sucessivos rebaixamentos até a melancólica campanha da Série C em 2021, somando apenas 12 pontos em 18 partidas com míseras duas vitórias. Em 2022, os sinais são pouco otimistas para a torcida.
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