Publicado originalmente no Medium
O ano de 2004 foi especial pro Tricolor do Pici. Bicampeão cearense naquele ano (ainda viria o tri em 2005), o clube, então treinado pelo ex-goleiro tetracampeão do mundo Zetti, conquistava o acesso à divisão mais alta do futebol brasileiro na última rodada. E não foi uma tarefa fácil: o Tricolor de Aço precisava vencer o Avaí por dois gols de diferença, e ainda torcer pra que o Brasiliense, que confirmara o acesso de forma antecipada, vencesse o Bahia. Diante de sua torcida no Castelão, o Fortaleza fez o dever de casa: venceu o Avaí por 2 x 0. O Brasiliense colaborou e venceu o Bahia.
O Leão voltava à Série A um ano após ter sido rebaixado, na 23ª posição — o campeonato contava então com 24 equipes — em 2003, no primeiro campeonato brasileiro por pontos corridos. Naquela temporada, o clube também fez uma boa campanha na Copa do Brasil, chegando às oitavas de final, quando foi eliminado pelo Corinthians apenas no critério de gols fora de casa.
Veio a temporada de 2005, e no campeonato marcado pelas grandes atuações de Carlitos Tévez, pela máfia do apito e pelo inédito rebaixamento do Atlético Mineiro, o Fortaleza fez grande campanha e terminou o certame na 13ª posição, à frente de clubes como o Flamengo e o já mencionado Atlético-MG, e por pouco não conquistou uma vaga pra Copa Sul-Americana.
No ano seguinte, ainda que o clube não soubesse disso, começaria o calvário do Fortaleza. Após terminar a primeira fase do estadual na primeira posição, o Leão amargava o vice campeonato pro arquirrival Ceará, que impedia o tetracampeonato tricolor. No Brasileirão de 2006, longe do brio da temporada de sonho de 2005, o time do Pici era rebaixado novamente, junto com outro nordestino, o Santa Cruz, além dos paulistas São Caetano e Ponte Preta.
Nos anos que viriam, apesar de um tetracampeonato (2007–2010) no Cearense, o time sofreria duras amarguras a nível nacional. Já em 2007, bateu na trave na Série B, terminando o campeonato a apenas 3 pontos do quarto colocado Vitória.
Na temporada seguinte, contraste: o Fortaleza se salvou do rebaixamento de forma dramática, com a mesma pontuação do Marília, primeiro time no Z-4, se salvando apenas nos critérios de desempate, com apenas uma vitória e 13 gols de saldo a mais. O sinal de alerta, que deveria ter sido ligado, não foi, e em 2009, com uma campanha de apenas 10 vitórias, veio o descenso pra série C. O Fortaleza, em um intervalo de quatro anos, ia do céu ao inferno.
Seria um “bate-e-volta” na Terceirona, a torcida tricolor esperava. Porém, em 2010 o clube sequer se classificava em seu grupo, conquistando apenas duas vitórias em 8 jogos. Em 2011, o time ficaria com a corda no pescoço, e por pouco não seria rebaixado pra série D, e ainda veria o rival ser campeão estadual.
Em 2012, o Leão dava esperanças à sua torcida ao terminar a primeira fase no topo de seu grupo com apenas uma derrota. Mas a esperança duraria pouco, já que o clube seria eliminado nas quartas de final pelo Oeste, enquanto via o Icasa ser vice-campeão e conquistar o acesso. Em 2013, porém, novamente a classificação pra fase de mata-mata não veio, mesmo com Assisinho sendo o artilheiro do campeonato. E novamente por pouco, um ponto apenas a menos que o Sampaio Corrêa.
No ano da Copa do Mundo do Brasil, mais uma vez classificado em primeiro no grupo, e novamente com apenas uma derrota na primeira fase, o Fortaleza sofreria mais uma eliminação dolorosa nas quartas de final, dessa vez pro futuro campeão Macaé. Um filme passava na cabeça do torcedor. A comemoração do retorno à Série B seguia entalado na garganta. No estadual, o Ceará a essa altura havia conquistado mais um tetracampeonato. O inferno tricolor parecia não ter fim.
Em 2015, viria um alento, mas não sem drama. Após vencer o jogo de ida da decisão estadual pelo placar mínimo e sair na frente na volta, o Fortaleza sofria a virada do Ceará na reta final do jogo. Empate a nove minutos do fim do tempo regulamentar, e virada do Vozão aos 45 do segundo tempo. Mas, aos 47 do segundo tempo, um lance digno dos grandes clássicos, e de um jogo eletrizante. Numa bola esticada do meio campo pra ponta direita, Tinga escora de cabeça pro meio da área, e Cassiano aparece na segunda trave pra marcar o gol do título, eternizado na voz da torcida de leais, que evitou o penta do Alvinegro e deu à nação tricolor uma gota de alegria em meio a um oceano de frustração.
“Me arrepio ao lembrar daquele gol de Cassiano
Na história vai ficar, junto com Alcides Santos(…)”
Na Série C, o Leão começava bem. Novamente terminava a fase de grupos no topo. Mas, por mais um ano, o mata-mata terminou em decepção: eliminação pro Brasil de Pelotas nas quartas de final. E o filme se repetiu em 2016. Bicampeão cearense, o Fortaleza novamente fez a melhor campanha de seu grupo, e novamente parou nas quartas. Dessa vez, o carrasco foi o Juventude.
Em 2017, o Fortaleza terminou a fase de grupos em 3º, cinco pontos atrás do líder Sampaio Corrêa. Mais uma vez, o clube se deparava com seu fantasma: as quartas-de-final da série C. Dessa vez, o adversário era o Tupi, recém-rebaixado da série B. No jogo de ida, o Fortaleza venceu por 2 x 0 no Castelão.
Na volta, a derrota pelo placar mínimo no Estádio Radialista Mário Heleno, em Juiz de Fora, foi ofuscada pela emoção e pelo êxtase de uma torcida que enfim podia soltar o grito e comemorar o acesso. Nem a derrota na final da terceira divisão pro CSA jogou água no chopp do clube cearense. Finalmente o calvário da Série C havia terminado. Ao final do campeonato, o treinador do acesso Antonio Carlos Zago deixou o Leão e assumiu o carrasco de outrora, Juventude.
Pro ano do centenário tricolor, a diretoria foi pro “All-in”, apostou alto. Contratou o também ex-goleiro Rogério Ceni pra comandar o Leão. Ceni, que ganhou praticamente tudo como jogador, vinha de um trabalho frustrado no São Paulo, e viu na oportunidade um recomeço na carreira de treinador. A meta era permanecer na série B e evitar a agrura de voltar à série C. E a aposta compensou: o Fortaleza, que não tinha em seus planos pro ano conquistar o acesso, o confirmou de forma tranquila e antecipada, após a vitória sobre o Atlético-GO.
Longe de ter o maior investimento da segundona, o time de RC, Gustagol e cia. exorcizou seus demônios e tornou seu centenário ainda mais especial, com a conquista do seu primeiro título nacional, com duas rodadas de antecedência, em uma campanha irretocável, onde o clube não liderou o campeonato em apenas duas rodadas.
Destaque-se também que o título do Fortaleza sela 2018 como o ano mais especial da história do futebol de seu estado, com dois clubes se sagrando campeões nacionais, o Ferrão na Série D e o Leão na B, além de marcar o primeiro título da segunda divisão da história do Ceará.
Demorou longos e dolorosos anos pra que o Rei Leão se impusesse na selva do futebol brasileiro. Agora que o fez, está indomável, e ruge cada vez mais alto.
Assista também ao vídeo do Última Divisão sobre o centenário do Fortaleza EC
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